Disciplinas Fisiologia Veterinária I e II Universidade Federal Fluminense

Tireoide

(Newton da Cruz Rocha)

Desenvolvimento embrionário – A tireóide é a primeira glândula endócrina a surgir no embrião, e nas gestações de 9 meses, como no ser humano, o início de seu desenvolvimento ocorre antes de um mês de vida intrauterina (cerca de 24 dias). Ela surge de um brotamento endodérmico no assoalho da faringe (divertículo tireóideo). Como o embrião cresce e se alonga a tendência da tireóide é descer para a região do pescoço. Em algumas espécies ela tende a formar dois lobos ligados por uma “ponte” denominada de “istmo”, em outras, não ocorre a ligação permanecendo dois lobos separados envolvendo os 2º e 3º anéis traqueais. Em outros casos, podem se formar tecidos residuais que poderão formar cistos ao longo do trajeto de descida da glândula. Outro problema que pode surgir é a presença de tecidos tireóideos acessórios, mas, em geral sem função hormonal.

Localização e forma – Entre as espécies com glândulas com istmo temos o homem, o cavalo, o cão, o bovino (frequentemente), o carneiro. Em algumas espécies a glândula tem aspecto uma tanto triangular e nos suínos apresenta uma união entre lobos que não se pode chamar de istmo por ter aspecto tão grande quanto os próprios lobos e estar bem próxima da entra da do tótax. Nas aves os lobos são ovóides e completamente separados, não justapostos à traquéia muito próximos das veias jugulares. O mesmo acontece com animais mais inferiores como nas rãs e salamandras, nos quais as glândulas são separadas. É interessante notar que em animais inferiores, em certas fases de metamorfose, os produtos da glândula não são lançados na corrente circulatória como produtos de secreção interna, e sim lançados no tubo digestivo e então digeridos e absorvidos para que exerçam seus efeitos .No cão e no gato o istmo tende a desaparecer logo após o nascimento.

Histologia  – Histologicamente a tireóide apresenta uma estrutura com grandes folículos o que lhe permite acumular o material colóide onde se formam e armazenam os hormônios da glândula. Isto representa uma vantagem pois o acúmulo permitirá um funcionamento prolongado mesmo na falta temporária do iodo que é fundamental para sua síntese. A glândula apresenta folículos formados por círculos celulares de tamanho variado e com células de altura também variável dependendo de seu grau de atividade (basal ou aumentado). A estrutura mostra vasos, tecido interfolicular, vasos, e curiosamente apresenta células que rodeiam aos folículos e são chamadas de células parafoliculares ou células C . Tais células, embora se abriguem na tireóide nada têm em comum com os hormônios  T3   e  T4.  Tais células secretam o hormônio calcitonina que está ligado à regulação do cálcio sanguíneo e não participa dos fenômenos de feedback de “alça longa” entre  T3/T4   e o hipotálamo, nem sofre influência do TSH da hipófise.

Síntese dos hormônios – O processo de síntese hormonal na tireóide é relativamente complexo envolvendo várias etapas e várias enzimas e apresentando, às vezes, algumas fases que aparentemente se desconhecem.  Podemos facilitar o processo (talvez) colocando uma ordem nos fenômenos, a partir de explicações bem simplificadas:

Inicialmente deve haver na alimentação uma quantidade (mesmo ínfima) de iodo (sob a forma de iodeto) o que normalmente é feito por adição ao sal que devemos ingerir (homens e animais). Tal quantidade é estimada em cerca de 50 mg/ano ou mais ou menos 1 mg/semana  (na espécie humana) o que pode variar entre espécies tendo em vista o peso corporal (percentagem do hormônio em relação ao volume sanguíneo) ou até mesmo o metabolismo maior ou menor apresentado pelo animal o que requer taxas mais variáveis dos hormônios para desempenho de suas células corporais.

O início do processo secretor se deve a diversos fatores, tais como: feedback, estímulos neurais vindos de dentro (sistema nervoso vegetativo) ou de fora do corpo (receptores de frio, calor etc…). A ativação do hipotálamo promove a liberação do hormônio liberador de TSH, ( denominado TRH) e que ao penetrar na adeno-hipófise estimula células basófilas. Estas liberam o TSH de estimula as  células que compõem os folículos colóides dentro da glândula tireóide. Na superfície de tais células existem receptores específicos que se estimulados dão início ao processo de estímulo do 2º mensageiro, ativando o sistema do  cAMP que desencadeia na célula efeitos específicos (princípios gerais de ação hormonal, via receptor). Um segundo fato é a entrada de glicose que ao penetrar na célula entra no ciclo das pentoses que de alguma forma está ligado ao ciclo de sistema gerador de peróxido ( H2O2 ). Um terceiro passo é o bombeamento do Iodo sob a forma iônica (I-). Este processo parece estar ligado a um sistema de cotransporte de sódio/iodo o que depende da concentração de Na+ e do sistema ATPase Na+/K+ .

O iodo bombeado se converte em iodeto pela peroxidase e é passado para o interior do colóide onde se une com a proteína tireoglobulina (Tg). Uma união de acoplamento oxidativo reúne o iodeto com grupos “tirosil” derivados ou pertencentes à tireoglobulina

O acoplamento oxidativo é catalisado pela mesma peroxidase e inicia a iodinação dos grupos tirosil, dando início à formação de compostos como a monoiodotirosina  (MIT), e a diiodotirosina (DIT). Tendo em vista que dois DIT , ou dois MIT  e um DIT podem formar podem formar uma tetraiodotirosina (T4 ou tiroxina ) e um DIT e um MIT uma triiodotironina (T3 ), surgem os hormônios definitivos da tireóide dentro do colóide ( T3  e T 4). Um processo de fagocitose ocorre na membrana citoplasmática (voltada para o colóide) e ocorre um “engolfamento” ou endocitose dos complexos TG+T3   e  TG+T4 . É necessário ressaltar que a Tg é uma proteína de alto peso molecular que contém tirosina e é sintetisada no retículo endoplásmico das células que compõem o anel do  folículo.

A partir da endocitose ocorre um desacoplamento do complexo TG/T3/T4 dentro da célula e uma união com os lisossomos dando origem ao que se chama lisossomo secundário. A partir daí, se libera T3 e T4 e iodotirosinas e a enzima deiodinase libera DIT e MIT e iodeto que serão reciclados. Há algumas explorações científicas que acreditam em uma exocitose de Tg a partir da célula do folículo pela parte voltada para o capilar, porém não se sabe ao certo. Quanto ao T3 e T4 que penetram na corrente circulatória, estes circulam de forma livre até o fígado, onde parte deles se reúne com uma proteína ligadora dos hormônios e que se denomina TBG.

Armazenamento e liberação – Normalmente a tireóide pode armazenar em seus folículos o iodeto em quantidades até trinta vezes a sua concentração no sangue, mas, em atividade máxima chega a armazenar até 250 vezes a concentração do sangue, graças a ação de bombeamento do sangue para o colóide. A secreção dos hormônios tireóideos pode apresentar proporções  que atingem 93% de tiroxina e apenas 7% de triiodotironina. Ao serem liberados para o plasma, os hormônios podem permanecer sob forma livre ou se combinarem com um transportador (secretado pelo fígado) que é a TBG (thyroxine-binding globulin  e  a  transthyretin) que juntas compõem o PBI (protein-bound iodine). Outros dois transportadores são a pré-albumina fixadora de tiroxina e a albumina. A ligação com as proteínas transportadoras preservam da destruição dos hormônios e quando necessário liberam os mesmos, para que possam realizar suas ações nas várias células do corpo. Nas células onde irão agir existem receptores específicos , mas, que só acoplam com o T3 e, assim, as moléculas de T4 precisam se converter na forma apropriada. Desta forma 90% do T4 sofre uma transformação por meio da enzima 5’deiodinase tornando-se triiodotironina que ao penetrar na célula “alvo” possa ativar uma transcrição e assim criar um mRNA no citossol e gerar proteínas com fins específicos e/ou enzimas que possam ativar os sistemas das células “alvo” e provocar efeitos diversos.

A meia vida ou t½ de cada hormônio varia: assim, o T3 dura cerca de 24 horas no sangue e o T4 pode durar cerca de 6 a 7 dias (para alguns autores é de até 14 dias).

Catabolismo – Uma vez exercida a função dos hormônios tireóideos deve ocorrer a degradação dos mesmos, e isso ocorre no fígado, músculos e rins, por onde, inclusive se elimina o iodo de excesso. Há ainda o chamado ciclo êntero-hepático onde as substâncias são absorvidas, vão ao fígado, bile e voltam ao duodeno. Em cada circulação é eliminada uma parte da substância e o restante recircula várias vezes até eliminação total.

Efeitos – Os efeitos dos hormônios tireóideos são muitos e pode-se dizer que agem em todos os tecidos do corpo, chegando a dobrar a taxa metabólica (varia de 60 a 100%). Entre os efeitos podemos citar aumento do calor corporal, ajuda no crescimento fetal e após o nascimento, aumenta o tônus nervoso, reduz a taxa de colesterol e de outros lipídeos, aumenta a força e frequência do coração, aumenta a pressão sangüínea, promove letargia (pelo cansaço e fadiga muscular), mas, dificulta o concatenar do sono, produz leve tremor muscular, melhora a produção de leite, é necessário ao ciclo estral normal, melhora e aumenta a gliconeogênese, promove rápida glicólise, diminuição do peso corporal, aumenta da frequência respiratória (aumenta consumo de O2 e a produção de CO2 ), aumenta o apetite e ainda funciona na metamorfose de anfíbios como a rã.

Substâncias antireóideas – Existe uma substância pró-goitrina que existe em vários vegetais com a couve, o repolho e outros, e que dá origem à goitrina. Esta é uma inibidora dos hormônios tireoidianos podendo produzir os mesmos sintomas de sua hipofunção. Entre os medicamentos podemos citar o propiltiouracil, a fenilbutazona , o ácido p-aminossalicílico e o methimazol.

Outras substâncias tireóideas – Além dos hormônios principais podemos citar o T3r, o triac (ácido triiodotiroacético) e o tetrac (ácido tetraiodotiroacético). As pesquisas mais recentes mostram que o T3r é mais calorigênico do que o T3 e que o triac e tetrac podem ter os mesmos efeitos de seus correspondentes T3 e  T4, porém com potências relativas bem menores.

Principais alterações – As principais disfunções da glândula tireóide são o hipo e o hipertireoidismo.

O hipertireoidismo tem origem em aumento da função glandular e pode se dever a tumores benignos ou não, as estimulações  excessivas do eixo hipotálamo-hipófise por causas diversas, problemas de formação de autoanticorpos  anti receptor de TSH. Incluem-se bócio tóxico, a Doença de Graves ou ainda o bócio exoftálmico.

O hipotireoidismo se deve a causas que incluem falta de T3/T4, atrofia da tireóide, ablação completa da mesma, agenesia da glândula na vida intrauterina (cretinismo ao nascer e logo após, se não tratado) ou sintomas na vida adulta (mixedema – onde ocorre depósito subcutâneo de mucina), falta de conversão de T4 em T3 (síndrome de baixo T 3 ) por falta (talvez) de 5′- deiodinase. Existe ainda o bócio endêmico (papo) causado  por hipertrofia compensadora, pela falta de iodo na alimentação (sal).

Disponibilizado no site em 04/05/2013

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